A importância de Johan Cruyff
Excelente post do blog Red Pass (AQUI):
«Esperei por um artigo de Valdano para terminar o meu luto simbólico pela morte de Johan Cruyff. O argentino já se manifestou com a genialidade à altura que o momento exigia e sinto-me obrigado a deixar um testemunho sobre um homem que marca a minha vida.
«Esperei por um artigo de Valdano para terminar o meu luto simbólico pela morte de Johan Cruyff. O argentino já se manifestou com a genialidade à altura que o momento exigia e sinto-me obrigado a deixar um testemunho sobre um homem que marca a minha vida.
Desde a hora de choque em que soube da
perda de Cruyff tenho dedicado muito do meu tempo a ler tudo o que me
parece mais relevante sobre o holandês. Fiz questão de procurar e
comprar a edição do L'Équipe com uma das melhores capas que já vi,
guardei a Marca em versão digital, devorei artigos de nomes conhecidos e
outros anónimos. Reli e partilhei as melhores frases de Johan sobre o
futebol e ia pensando no queria dizer sobre o génio.
Podemos mesmo começar por Valdano. Estou
em situação de poder afirmar duas constatações que explicam este texto.
A primeira é que cedo descobri que nunca teria o jeito de Cruyff para
jogar à bola, a segunda é que nunca terei o talento de Jorge Valdano
para escrever.
No entanto, estão aqui dois dos principais
nomes que mais influenciam algumas das maiores paixões da minha vida.
Ver futebol, querer saber mais sobre o jogo, ler sobre futebol, escrever
sobre futebol, entender a arte e falar sobre ela.
Depois de eu ter nascido em 1973 o
primeiro campeão europeu foi o Ajax. Isto ajuda a explicar a facilidade
com que herdei o fascínio por Cruyff. Naqueles primeiros anos de
descoberta no mundo do futebol era essencial absorver a sabedoria dos
mais velhos.
À medida que ia conhecendo o Benfica do
final da década de 70, ia aprendendo que o futebol tinha mais encanto
além da Luz. Já tinha revelado ao mundo grandes artistas, alguns com
aura de imortais pelo que ganharam, pelo que jogaram e pela marca que
deixaram no jogo. Eusébio, Coluna e seus companheiros de conquistas
europeias eram os primeiros a ser absorvidos, naturalmente. Mas nomes
como Pelé, Di Stefano, Puskas, Gento, Best, Charlton, Garrincha e tantos
outros, iam entrando no meu universo de aprendizagem ouvindo histórias
dos seus feitos pelo meu pai, pelo meu avô e outros adultos próximos.
Depois, lendo os poucos livros dedicados ao assunto que havia por cá e
vendo/ouvindo as transmissões raras de jogos internacionais onde Gabriel
Alves e Rui Tovar acrescentavam sempre mais conhecimento da causa que
era a paixão pelo futebol.
Foi a meio da década de 80 que a minha
febre com o futebol atingiu o auge, após os mundiais de Espanha e
México, do Euro de França, de assimilado tudo o que havia para saber
sobre o Benfica da altura, a necessidade de saber mais e mais sobre
futebol estrangeiro tinha uma solução nas transmissões das finais das
taças europeias em Maio. Noites inesquecíveis, esperadas com ansiedade
enquanto se tentava ler a Onze e devorava a Foot, revistas que começavam
aproximar o futebol dos adeptos.
Curiosamente, foi durante a transmissão
da final da Taça das Taças em Atenas no ano de 1987 que tive das
conversas mais proveitosas sobre futebol com adultos. Em boa hora
perguntei porque é que o treinador do Ajax era tão respeitado pelos
comentadores. Na altura já sabia que Cruyff tinha sido grande jogador e
que procurava ter o mesmo sucesso enquanto treinador mas via-se que era
tratado como uma figura superior.
A mim não me parecia nada de especial o
feito do Ajax vencer a Taça das Taças contra o Lokomotive Leipzig.
Ganhou com um golo de um tal de Van Basten.
Fiquei contente porque me foram contando
ao longo do jogo as proezas de Cruyff como jogador. Se o homem venceu 3
Taças dos Campeões seguidas a jogar pelo Ajax já era motivo suficiente
para entrar para a galeria dos imortais. Mas ainda ter brilhado no
Barcelona e ter levado a Holanda à final do Mundial de 1974 eram feitos
ainda muito frescos na memória do meu pai e do meu avô. Não havia como
não ficar rendido.
O meu avô morreu convencido que Johan
Cruyff foi o melhor jogador do Mundial 1978 precisamente pela sua
ausência. Contava-me repetidamente que o holandês se recusou a jogar um
torneio organizado pela Argentina sob uma ditadura militar comandada por
Jorge Videla. Ficámos a saber há poucos anos que não foi bem assim mas
nada mudou sobre a imagem de Cruyff.
Cedo fiquei a saber que a minha Holanda 1974 foi o Brasil 1982.
Percebia perfeitamente o encanto dos mais velhos com a Laranja
Mecânica, já sabia que nem sempre os melhores vencem mas os que jogam
melhor ficam sempre na história. Cruyff já estava na história.
Felizmente, fui a tempo de acompanhar a
sua carreira como treinador. Assisti à tal vitória europeia e depois vi
como mudou o futebol do Barcelona. Já todos sabem o que foi Cruyff a
treinar o Barça entre 1988 e 1996.
Infelizmente, o percurso de Johan
Cruyff rumo à glória como jogador e treinador cruzou-se com o Benfica.
Infelizmente porque ele foi sempre feliz. Pode-se dizer que Cruyff foi
uma espécie de antídoto ao Benfica europeu.
Em 1968/69 o Ajax disputou um dos duelos
mais épicos da Taça dos Campeões daquela era. A equipa de Cruyff travou
mais uma caminhada do Benfica rumo à final nos 1/4 de final da prova.
O Benfica foi ganhar a Amesterdão por
1-3 e pensou ter a questão resolvida mas os holandeses responderam com o
mesmo resultado na Luz deixando tudo empatado. Desempate em campo
neutro e vitória categórica do Ajax. A imprensa internacional falou de
passagem de testemunho de Eusébio para o jovem Cruyff. Foi por esses
dias que se soube da enorme admiração que Johan tinha pelo King. Vinha
desde o dia que foi apanha bolas em Amesterdão na final que o Benfica
venceu o Real Madrid! Eu só descobri esta história agora...
Em 1971/72 nova desfeita. Nas meias
finais da Taça dos Campeões Europeus, o Ajax de Cruyff venceu na Holanda
por 1-0 e sobreviveu na Luz com um 0-0. Johan disse que foi dos maiores
massacres que sofreu mas como saíram vivos aproveitaram e ganharam mais
um troféu na final com o Inter.
Ficou para sempre um enorme respeito e amizade entre dois figurões do futebol mundial, Eusébio e Cruyff.
O Benfica podia queixar-se de ter
voltado a ser vitima das géneses de Cruyff ao perder mais tarde as
finais de Estugarda e Viana contra o PSV da... Holanda e o Milan com os
três melhores ... holandeses.
O destino havia de trazer Johan Cruyff ao Estádio da Luz que ele tanto respeitava.
Eu vi em 1991 o grande Barcelona de
Cruyff ao vivo. Foi no caminho para a conquista da primeira Taça dos
Campeões para os catalães. Foi o começo do Barça ganhador.
Havia limite de estrangeiros, Cruyff
apostou em Ronald Koeman e Richard Witschge, seus compatriotas e nos
geniais Stoichkov e Michael Laudrup. Tudo comandado dentro de campo por
Guardiola. Mais uma vez, o Benfica não foi adversário fácil para o
holandês. Na Luz ficou 0-0, no Camp Nou um magro 2-1 apurou o Barcelona
para Wembley onde bateu a Sampdoria. Local mais simbólico para coroar o
futebol do Barça de Cruyff era impossível.
Estava aberto um caminho que obedecia a
uma regra, o Barcelona podia ganhar muito mas teria sempre que respeitar
a filosofia de Cruyff. Não é por acaso que só espanhóis e holandeses,
seguidores da escola de Johan, têm tido verdadeiro sucesso à frente dos
culés. Uma herança preciosa mas muito séria.
O facto do jogador e treinador Johan
Cruyff ter cruzado o seu destino vitorioso tantas vezes com o Benfica só
acelerou e aumentou a minha admiração por ele.
Descobrir graças ao YouTube
toda a a sua classe a jogar futebol, aquela finta contra a Suécia em
1974, o golo impossível ao Atlético em Barcelona, a jogada épica de
abertura de partida na final de 1974 contra a Alemanha, são só alguns
pormenores de uma figura maior. Tão grande quanto as suas frases que
pretendiam simplificar o jogo, ditas por alguém que assumia que falava
mal cinco línguas. A inteligência, o humor e a paixão pelo futebol
enquanto arte elevou Cruyff para o patamar dos guardiões do templo da
bola.
Gostar de futebol é compreender Cruyff.
Não por acaso, em Portugal os três diários desportivos conseguiram não respeitar a sua memória...»
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