Jorge Jesus abre o livro na SIC
Partilho o resumo do jornal Record online da excelente entrevista de ontem de Jorge Jesus no programa da SIC playoff:
Propostas: "Nestes cinco anos,
antes de chegar ao Benfica, não era conhecido internacionalmente. Chegar
longe nas provas da UEFA fez com que fosse conhecido na Europa. Sei o
quanto isso é vantajoso para mim. Não poderia entrar numa equipa que
não estivesse nas competições europeias. Tive propostas que me davam num
ano, aquilo que ganharia em 10 no Benfica. Antes de ganhar ao Benfica,
ganhei tostões. O presidente Vieira sempre me manteve informado
relativamente a todas as situações. A gratidão é muito bonita no ser
humano mas isso não me vai fazer refém, toda a vida, no Benfica. Neste
caso isso aconteceu."
Prioridade a seguir ao sucesso: "É
mais difícil trabalhar o sucesso que o insucesso. O problema está em
conseguir alertar toda uma estrutura de que o que se ganhou já faz parte
do passado. Não há direitos adquiridos. É um bom problema. Na próxima
época temos de ser mais exigentes e responsáveis. Se não ganharmos três
títulos vão sempre comparar com o que já foi feito. É preciso fazer
crescer os jogadores mentalmente."
Comparação com Wenger:
"Em Portugal é difícil [acontecer algo igual]. Em Inglaterra, as
pessoas valorizam o trabalho do treinador por vários parâmetros. Em
Portugal, valorizam os títulos. Em Inglaterra é diferente. Wenger ganhou
agora uma FA Cup e em outros anos fez um trabalho de qualidade e
colocou o Arsenal a lutar sempre pelos primeiros lugares. É um treinador
que é vendedor, tal como o Benfica o é. Nós discutimos sempre os
títulos, mesmo sendo obrigados a vender os melhores jogadores. Tenho uma
grande paixão pela minha profissão. Hoje estou muito satisfeito com
o Benfica mas a minha carreira não acaba amanhã por isso não sei o que
vai ser o meu futuro. Um treinador tem de estar mentalizado para os
períodos negativos e positivos."
Desgaste pelos 5 anos na Luz:"Os
adeptos do Benfica são a maioria no país. É normal que nem todos os
adeptos gostem de mim. Eles estarão sempre mais ligados ao treinador
pelos êxitos. Todas épocas, tirando a segunda, senti que a equipa
cresceu de ano para ano após a minha chegada e encurtar a vantagem para
quem ganhava sempre: o FC Porto. Este trabalho não se faz de um momento
para o outro. A estrutura foi muito importante neste caminho".
Contrato com o Benfica: "Ficou
em aberto renovar por mais tempo. Vieira, para além de ser presidente
de uma grande instituição, tem uma relação muito particular comigo.
Temos uma linguagem semelhante. Quando ele quiser colocar essa situação,
será resolvida".
Milan: "Temos de ter algum
cuidado porque estamos a falar de um grande clube. Não é qualquer
treinador que pode dizer que rejeitou o Milan. Jantei duas vezes com
dirigentes do Milan. Conversámos sobre muita coisa e as decisões
seguiram o curso que se sabe. A minha convicção foi sempre ficar no
Benfica. Eu não penso que o que é hoje verdade, amanhã é mentira. Não
queria dizer que não iria sair do Benfica porque não quis passar por
mentiroso"
Auge: "Posso estar no auge em
função dos títulos que se têm conquistado no último ano. Tenho muito
para conquistar e muito para aprender. Estou longe daquilo que posso ser
ainda como treinador. Sou melhor treinador do que há cinco anos, nisso
não há dúvidas. Cheguei ao Benfica já numa fase avançada de maturação.
Estou num grande clube e é muito mais fácil dizer que me sinto como um
dos melhores treinadores portugueses"
Semelhanças com outras equipas: "O
FC Porto tinha características ao nível dos jogadores das quais poderia
partilhar. O Jardim tentou no Benfica-Sporting com dois avançados para
tentar fazer uma pressão alta de forma a criar problemas ao Benfica. Nós
já sabíamos que podiam jogar Slimani e Montero."
Contrato oferecido por Sporting e FC Porto:
"Confirmo a proposta do Sporting, de um presidente que já não o é:
Godinho Lopes. Do outro clube [FC Porto], não me fica bem falar. Tive
propostas da Rússia e Turquia. É verdade que o senhor Godinho Lopes me
convidou."
Lopetegui: "Conhecia-o [antes de assinar]. Ele era treinador do Rodrigo. Não conhecia o trabalho dele."
Seleção e o duplo pivô: "Não
sei as ideias de Paulo Bento. Ele tem tempo de trabalhar a equipa até
começar o Mundial. É nestes particulares que o Paulo Bento tem de
arriscar. Não pode ir para o Brasil fazer experiências. Agora tentou
fazê-las com a Grécia e muito bem. Só consegue refletir em cima dessa
ideia depois de ter feito as coisas. Está a pensar levar para o Brasil
mais que um sistema mas jogar em 4x3x3 ou 4x4x2 é totalmente diferente e
não tem tempo. Ele vai fazendo experiências até tirar conclusões.
Quando chegar ao jogo com a Alemanha, deixará de ter dúvidas. Todos
temos de saber viver com a condição de Ronaldo. Eu colocava-o, no
sistema, como jogou no Real Madrid. Para mim, nunca poderia jogar num
corredor. Ali, teria de fazer movimentos defensivos. Ele tem de estar
sempre como o Messi. Tem fazer o posicionamento igual ao de Messi porque
ele é um sobredotado. Para dar mais equilíbrio à posição de Coentrão,
ele tem de jogar por dentro. Ele é um dos melhores do Mundo porque sabe
criar para ele e para os outros."
Treinar o Sporting:"O
importante é que sou treinador de futebol. Estou contente no Benfica
mas antes de chegar ao clube, treinei outras equipas. Nunca se sabe o
dia de amanhã. O facto do meu pai ter jogado no Sporting assim como eu,
nós, enquanto miúdos, ficámos com algum sentimento em relação às equipas
por onde passámos. Joguei em 18 equipas enquanto jogadores. É como
quando conhecemos uma namorada."
Treinar a Seleção:
"Um treinador de Seleção não é treinador. Quando chega às fases finais,
aí trabalha como uma equipa mas durante a maior parte do tempo,
seleciona e põe os jogadores a jogar. Não me vejo a treinar nenhuma
seleção".
Saída em bloco do plantel: "Os
titulares têm grande peso nos movimentos da equipa. Os jogadores, quando
percebem que têm espaço, é muito difícil pará-los. Vieira sempre soube o
que é o melhor para o Benfica."
Ausência de Fejsa:"Com
a operação que fez, seguramente que não estará apto antes de janeiro.
Temos de ir à procura de soluções. Danilo Pereira já jogou no Benfica e
tem qualidade nessa posição mas há outros. Temos de ir à procura de
jogadores para essa posição. Todos com qualidade são viáveis. Danilo e
Gonçalo Santos têm muito valor."
Cardozo: "O
que se passou com ele ficou sempre na minha mente. O Cardozo e eu,
percebemos que a instituição Benfica era mais importante. Disse também
ao Cardozo que ele era o jogador e eu o treinador. Disse-lhe que nunca o
ia prejudicar se merecesse ser convocado ou ser titular. Tive de
perceber que o Cardozo é um ativo do Benfica.
Estrutura: "Lourenço
Coelho voltou a ser o responsável pela estrutura do futebol, com o Rui
Costa mais próximo da equipa. Ele é elemento da SAD mas é como se
fizesse parte da equipa técnica. O presidente percebeu que era preciso
pôr a estrutura do futebol a defender os interesses do treinador. Todos
os setores davam notas de informação".
Jogador mais difícil de substituir: "Para
nós, é sempre o pensador do jogo quando uma equipa o tem. É o Enzo, o
pensador. Há jogadores que têm essa aptidão. Quando tu falas para eles,
eles sabem o que está a dizer e sabem passar para os outros. O Enzo sabe
passar para os outros as ideias dos movimentos ofensivos e defensivos.
Tem um caráter muito forte. É muito forte quando a equipa não tem bola. O
grande problema de um treinador é pôr o Ronaldo a defender, o Messi a
defender, ou o Nico Gaitán ou o Saviola a defender."
Derrota em Turim:
"Disse-me que tinha muito orgulho na equipa e naquilo que tinha feito.
Foi um momento doloroso. Todos os benfiquistas queriam ganhar. Foi um
conforto muito grande ouvir o presidente dizer que tinha um orgulho
muito grande na equipa."
Sherwood: "Fiquei a
apreciar o treinador. Naquela altura, aquilo foi instantâneo. Não gostei
da maneira como ele me falou. Os ingleses têm complexos de
superioridade e eu esperei ter uma oportunidade para responder. Quando
olho para as imagens farto-me de rir. Ele quando chegou ao pé do meu
ouvido, disse-me tanta coisa, tanta coisa... Eu gosto de gente
diferente. Fiquei a gostar de Sherwood"
Jogadores de FC Porto e Sporting:
"O FC Porto tem excelentes jogadores. O FC Porto tem dois jogadores que
jogam em qualquer equipa do Mundo. É o Mangala e o outro é o Jackson.
No Sporting, há também alguns jogadores de nível elevado, principalmente
William Carvalho face às qualidades físicas que ele tem. Aquilo que eu
trabalho para uma posição, os jogadores têm de saber fazer. Agora podem
fazer melhor ou pior."
Adaptações: "Todos
jogadores são nossos mas aqueles que dizemos que é o jogador do
treinador, é aquele que muda de posição connosco, algo que aconteceu com
o Fábio Coentrão. Esse é o jogador do treinador como o Enzo e o Matic.
Nesses casos, houve o olhar e o criar do treinador."
Eusébio:
"Muitos dos jogadores do Benfica, no dia da morte do Eusébio,
perceberam o que é a cultura do Benfica. Não creio que foi por isso que
ganhámos o campeonato. Foi pelo trabalho. No clube há uma pressão
constante para ganhar. Entrámos para o jogo com o FC Porto com uma
crença muito forte porque já vínhamos também a recuperar pontualmente.
Esse foi o jogo que deu o clique à equipa. Foi um jogo fundamentalmente para
toda a gente, até para os próprios adeptos acreditaram mais na equipa."
Componente preferida do futebol:
"Há o trabalho coletivo, individual e sectorial mas pôr isso na prática
não vem nos livros. É um trabalho apaixonante. Não diferencio nada
porque tudo está ligado. Trabalhar um posicionamento tático dá-me um
certo gozo e ver isso aplicado nos jogos. Para dominar o jogo, há que
dominar o espaço."
Metodologia de treino: "Não
há uma escola Jorge Jesus. Um treinador tem de ter uma ideia de jogo. O
treinador não mete 11 jogadores a jogar e cada um faz o que quer. Isso
não faz uma equipa. Há uma ideia técnica e tática daquilo que eu quero
mas depois disso, há uma metodologia de treino. Ao longo dos anos criei
uma bateria de treinos e as tecnologias ajudam a isso. Achamos que
estamos no caminho certo porque os resultados têm indicado isso. A
prática é o critério da verdade. Se tu só repetires, também não evoluis.
O treinador tem de evoluir todos os dias e os jogadores praticam arte. O
futebol é o desporto mais difícil no Mundo. O treinador tem de saber
acompanhar esta arte e ser um criador. Todas as nuances, seja da ciência
ou das tecnologias, têm de ajudar o treinador, tal como uma boa equipa
técnica".
Candeias:"O
Candeias é um jogador, que quando jogávamos contra ele, realçava sempre
o perigo que criava. À partida tinha de gostar do jogador, como é
óbvio. Todos os jogadores que vêm para o Benfica, vêm com a ideia e com o
sonho de jogarem no Benfica e percebem que os colegas têm muito
valor e poderão tem dificuldades de adaptação. Percebem que não será
fácil dar luta."
Scouting e o 4x4x2: "Acho
bem que a formação do Benfica jogue em vários sistemas. O Ajax também o
fez, uma das melhores escolas do Mundo. Quanto mais vezes uma criança
experimentar vários sistemas, mais evolui. O presidente sabe que nós
elaborámos um perfil de jogador por posição e os olheiros procuram
futebolistas dentro do que se pede. O Benfica faz contratações de
jogadores de 19 e 20 anos e não posso perder tempo com esses miúdos. São
jogadores para serem trabalhados. São todos analisados face ao perfil
que têm. Rui Costa tem um conhecimento muito profundo das minhas
ideias."
Táticas: "Há a tendência de dizer
que uma equipa está mal fisicamente. A equipa está mal fisicamente
quando taticamente está mal. Estas duas componentes têm relação. O
jogador quando não está bem taticamente cansa-se com maior facilidade".
Esquema com dois avançados:
"Quando uma equipa joga com dois avançados na frente, as ideias são
diferentes a atacar e a defender. No primeiro ano, joguei com Cardozo e
Saviola, sendo o Cardozo mais fixo. Fui à procura das características
dele, que é forte na finalização no corredor central. É um jogador que
não dá muita agressividade na frente, na hora de defender. Sacrificava
muito mais o Saviola. Ele e o Aimar jogavam de olhos fechados. Esta
época invertemos o posicionamento da primeira linha de pressão ofensiva,
algo que teve a ver com a lesão do Cardozo. Já antes, estávamos a
trabalhar isso. Isto vai ser para continuar. Quando tu partes para um
sistema tático, sabes que aquilo é o princípio de tudo. A ideia do
treinador tem de ser partilhada pelas ideias ofensivas e defensivas.
Quando começámos a jogar com Lima e Rodrigo na vertical, começámos a
pressionar alto, algo que apenas o Barcelona fazia na Europa. O Cardozo
uma vez disse que o selecionador do Paraguai dizia que eu era louco por
estar a pressionar alto desta maneira. Custa-me ver pessoas que são
médicos, advogados e com outras profissões a falar sobre futebol."
Pré-época após um Mundial:"No
primeiro ano, em que ganhei o campeonato, tivesse problema. Temos de
dar férias aos jogadores e eles, em 2010, foram chegando a pouco e
pouco. Tive de optar entre pôr a jogar os jogadores nucleares ou não.
Esta época não vai acontecer tanto porque se calhar alguns jogadores que
vão ao Mundial... não voltarão. Nada disto é novidade para mim mas
tenho de arranjar soluções para podermos fazer face a este problema."
3 comentários:
Em certas entrevistas é entregue ao convidado, com antecedência, um guião para estudar o que vai responder de modo a que seja politicamente correto. Há sempre demasiada maquilhagem!
2 de junho de 2014 às 12:48Gostei! Com ou sem maquilhagem, não se mostrou inibido, nem hesitante. Achei-o genuíno, simples e sem tabus nas respostas.
2 de junho de 2014 às 13:18Subiu muito, imenso, na minha consideração.
Foi sublime aquela conversa descontraída, onde se falou apenas de futebol jogado, sem quesílias, sem facciosismos, sem clubismos. Com muito, muito respeito recíproco.
Como já escrevi noutros espaços, pena é que JJ não se saiba expressar proporcionalmente à sua sabedoria de futebol. Por vezes até parece que se contradiz. É preciso traduzir sempre o que diz... Não há ninguém perfeito!
NÃO FALA SOBRE O CONVITE DO fcp porque ? o pintinho pediu-lhe silêncio ?
2 de junho de 2014 às 19:36Enviar um comentário
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