A frase é de Vítor Serpa num excelente artigo publicado na edição de Domingo no jornal A Bola e refere-se à mentalidade do FC Porto face ao rival Benfica. Ora aqui tem o artigo todo:
"Quando um jogador de futebol, na sua pública apresentação como jogador do FC Porto, sente uma necessidade missionária de dizer que não gosta do Benfica para agradar ao novo patrão, não percebe que está, afinal, a glorificar o adversário e, sem o desejar, a dar-lhe uma dimensão superior.
O mesmo sucede quando um estádio cheio de adeptos portistas, a viverem o delírio de um ambiente de festa e de consagração de sucesso, se levanta, por inteiro, a gritar impropérios contra o principal rival. É estranho que não perceba que esse comportamento não é uma ofensa, mas, sim, um dos mais expressivos e impressivos elogios, porque demonstra que o adversário é uma obsessão que não sai da cabeça, sendo evidente que aquilo que é obsessivo não é o facto desse adversário ter sido derrotado, mas o dele existir e de existir tão intensa e imensamente que em nenhuma circunstância, nem mesmo de legítima euforia, consegue ser anulado e esquecido.
Não por acaso, o mesmo tem sucedido nos últimos tempos com o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa. A idade não lhe tem retirado algumas capacidades e méritos, mas tem-no tornado mais obsessivo contra o seu rival e contra Lisboa.
Por isso, não raras vezes substitui a famosa ironia pela menos encantadora irritação que alguns menos contemplativos traduzem, talvez excessivamente, por ódio. Principalmente, nos momentos de vitória. Mesmo que improvável, como foi a da vitória no campeonato. Mesmo que entregue, manifestamente, pelo erro e pela incompetência do tal rival que diaboliza.
Também o presidente do FC Porto, tal como se pode constatar na recente e simpatizante entrevista televisiva, glorifica o seu rival e inimigo, oferecendo-lhe o que tem de melhor em matéria de imaginação e de criatividade. Sendo o primeiro a garantir-lhe essa tal dimensão superior que faz com que os seus empregados se sintam mais confortáveis e porventura mais amados quando se revelam o mais furiosamente que conseguem contra o que consideram ser o inimigo público do FC Porto.
É, este, um caminho perigoso, porque revela uma tão óbvia quanto inexplicável inferioridade perante um adversário que tão pouco tem ganho. Tanto mais que o FC Porto tem conquistado quase tudo em Portugal. Umas vezes com mais mérito do que outras, mas, incontestavelmente, provando ser, a léguas, o melhor e o mais forte clube de futebol português nas últimas décadas.
É admissível que essas vitórias se construam muito na base de uma cultura guerreira que não só tem de inventar inimigos como de os tornar mais dramaticamente perigosos do que, na verdade, são.
Como se sabe, a águia demora em recuperar a sua condição predadora e mesmo quando se consegue orientar no voo da Luz para aterrar num emblemático pedaço de carne crua, não consegue deixar de ser uma simples águia domesticada e sem verdadeiro instinto de caçadora. Pois é o FC Porto quem mais a enaltece como ser verdadeiramente grandioso e que merece não só respeito, mas medo.
É bem possível que os portistas sintam que para poderem continuar a ter os seus jogadores em alerta máximo e não descansarem sob os louros da vitória tenham de manter aceso um fogo fictício, apenas imaginado e criado para justificar concentração e motivação. Mas isso tem um preço e num universo, assim, de faz de conta acaba por tornar alguns episódios caricatos como esse de Vítor Pereira ter dito a Pinto da Costa que precisava de mais tempo para decidir se seria, ou não, treinador do FC Porto na próxima época.
Como se o país pudesse imaginar Pinto da Costa a roer a unhas e a exclamar, nervoso, para o Antero: «E se o homem decidir dar-nos com os pés?»"