Há situações que não podem ser esquecidas, há instituições que não se podem colocar em bicos de pés e falar como se nada tivesse acontecido.
Tudo bem relembrado na imperdível crónica de Leonor Pinhão no Jornal ABola:
«Manuel José é o campeão do bom nome dos treinadores portugueses, seus e nossos compatriotas. Só lhe fica bem. No fim do ano saltou em defesa de Marco Silva, o jovem treinador português do Sporting, quando este se viu envolvido numa querela com o presidente do clube que, aliás, se veio a apurar ter sido toda ela, a dita querela, inventada pelos jornais.
Na semana passada voltou Manuel José à liça para defender Paulo Fonseca, outro jovem treinador português, que, à míngua de resultados, se viu despedido do Dragão a meio da época passada.
De acordo com a opinião de Manuel José, sempre em prol do produto nacional, Paulo Fonseca, a quem o Porto na época passada apenas forneceu “tremoços”, seria indubitavelmente o tranquilo líder deste campeonato se tivesse à sua disposição a “lagosta” servida ao basco Julen Lopetegui.
Nos seus tempos de guarda-redes no activo, Julen Lopetegui nunca foi muito bom no capítulo das saídas da baliza, uma valência importante no reportório de qualquer “portero”. Uma inesquecível final da Supercopa espanhola entre o Barcelona e o Saragoça é prova disso mesmo.
Lopetegui esteve três temporadas no Barcelona e cumpriu 5 jogos na Liga espanhola. Para muitos foi muito, para outros tantos foi o bastante. E fez o tal jogo na Supercopa que o Barcelona muito suou para conseguir perder por 5-4, com Lopetegui na baliza no jogo da segunda-mão da final com o Saragoça.
Na primeira-mão, em Saragoça, o Barcelona tinha ganho tranquilamente por 2-0 com Busquets na baliza. No jogo de volta, em Camp Nou, Johaan Cruyff substituiu Busquets por Lopetegui, e o Barcelona acabou por conquistar epicamente o troféu com um curioso resultado de 6-5 no “agregado”.
Foi obra.
A que propósito se recordam aqui as cinco saídas infelizes de Lopetegui num jogo do século passado se o basco, aliás um tipo bem simpático, já nem é guarda-redes?
Servirá este recordar de uma mão-cheia de saídas infelizes para dar força a Artur, o segundo guarda-redes do Benfica; que se apresentará no domingo à noite em Alvalade no lugar de Júlio César, o primeiro guarda-redes do Benfica? E que sentido isso faz, francamente? Nenhum.
Concordarão também que para enervar Fabiano, o actual guarda-redes do Porto, de nada nos vale evocar os frangos do mister numa longínqua espanholada qualquer.
A questão é que as saídas infelizes que marcaram a carreira do guarda-redes Lopetegui continuam a ser um atributo do Lopetegui treinador que, acrescente-se, não deixa de ser um tipo bem simpático em todas as circunstâncias.
Voltemos a Manuel José que com a sua tirada sobre tremoços e lagosta proporcionou, inadvertidamente, a Lopetegui mais uma saída infeliz, aliás, várias saídas infelizes numa uma única frase que lhe foi ditada ou pela consciência ou por alguém que lhe quer mal.
- Com um tremoço ou meio tremoço pagamos o marisco todo e ainda chega para o champanhe – respondeu o treinador basco ao treinador algarvio.
Nestas coisas no Porto, como é do domínio público, quando se mete alimentação ao barulho já se sabe que tudo fica altamente suspeito. Convoque-se, portanto, a autoridade competente para investigar o que é ou, pior ainda, quem é o “marisco” que Lopetegui diz que vão pagar. E “o marisco todo” não será demais?
Reclamam-se com urgência técnicos especializados para traduzir para português corrente a linguagem obviamente codificada do remanescente da mensagem. E digam-nos, por favor, o que significa na verdade “um tremoço”? E quanto vale? E “meio-tremoço” é mais ou menos do que “um tremoço” inteiro no fim do campeonato?
Já no que diz respeito ao termo utilizado no fecho da cifra - “champanhe” - não é necessário requerer a ajuda de nenhum laboratório de investigação para nos desvendar o seu significado real porque todos percebemos perfeitamente e à primeira.
Mas não se ficou por aqui o treinador do Porto.
Ei-lo:
- O Benfica tinha caviar em 1995 e ficou a 25 pontos – continuou Lopetegui em mais uma série de saídas que se revelariam, uma vez mais, infelizes.
Concentremo-nos, caros leitores e amigos, no que é importante.
1995 foi um ano em que, em bom rigor, o Benfica ficou a 13 pontos do Porto, 13 pontos não menos vergonhosos do que os alegados 25. E um ano em que Manuel José não era treinador do Benfica, ao contrário do que se poderia supor tendo em consideração que a polémica foi causada pelo treinador algarvio e que o treinador basco poderia querer envergonhá-lo.
No ano seguinte, 1996, o Benfica ficou a 17 pontos do Porto, 17 pontos bem mais vergonhosos do que os anteriores 13 e ainda assim menos vergonhosos do que os alegados 25. E Manuel José também não teve nada a ver com o assunto.
No entanto, vergonhoso, verdadeiramente vergonhoso em 1995 não foi o Benfica, caro Julen. O Benfica fez o que pôde, muito pouco, em 1995 e por toda a década seguinte.
Vergonhoso, vergonhoso mesmo foi aquele engano de um tresloucado funcionário de uma agência de viagens que obrigou a tesouraria do FC Porto a pagar inadvertidamente viagens ao Brasil ao árbitro Calheiros e à família Calheiros, belissimamente instalada quer no Othon Palace do Rio de Janeiro quer no Hotel Sheraton do Recife, saldando-se a fatura transviada n.º 4144 de 18 de Julho de 1995 por um rol de embaraços justa e prontamente arquivados.
Comemora-se no próximo mês de Julho o 20.º aniversário sobre esta data negra para os operadores turísticos nacionais. O tempo voa. Parece que foi ontem.
E mesmo Lopetegui, sendo estrangeiro e sendo o terceiro guarda-redes do Barcelona em 1995 deve lembrar-se com certeza da viagem ao Brasil dos Calheiros, até porque, não jogando, tinha muito tempo livre para acompanhar o noticiário turístico internacional.
Por tudo isto, ouvi-lo agora dizer que o Benfica tinha “caviar” em 1995 é de se lhe tirar o chapéu… de palha.
Seja lá o que “caviar” quer dizer no código de Julen Lopetegui.
Não tenho a certeza se será boa ideia explicar aos jogadores do Benfica o que é um “derby”. Os jogadores do Sporting sabem do que se trata. No seu último jogo o Sporting utilizou nove jogadores portugueses que, por serem de cá, estão perfeitamente a par do significado social, cultural e épico do “derby” na especialidade e na generalidade.
No seu último jogo o Benfica utilizou dois portugueses sendo que um deles, Pizzi, foi substituído a vinte minutos do fim por outro português, Gonçalo Guedes. Em termos de recurso a portugueses até foi um abundante festim por comparação com a regra.
Jonas ainda esta semana disse numa entrevista a um jornal brasileiro que em Portugal existe muita rivalidade no campeonato “até com o Sporting” mas que “nada supera a rivalidade com o Porto”. E disse uma grande verdade para ele e até para uma geração mais nova de adeptos do Benfica que cresceu a discutir títulos exclusivamente com o Porto.
Quanto aos dois treinadores sabem bem o que são “derbys” o que não espanta porque são portugueses e antes de serem treinadores eram adeptos. Basicamente, um “derby” é uma coisa que mete nervos a toda a gente porque tem sempre consequências importantes mesmo quando a distância entre os dois rivais na tabela não é insignificante.
Por uma questão de bom senso, os protagonistas de um “derby” coíbem-se de produzir declarações sensacionais nos dias que antecedem esses encontros entre os rivais da Capital que já levam mais de um século de História.
No próximo domingo há “derby” em Alvalade e tem estado tudo calmo nos dois campos tal como convém à ordem e ao sossego no país que já tem muitas outras coisas com que se preocupar.
Curiosamente, e caso raro, as únicas incursões retóricas de cariz metediço na antecipação do “derby” surgiram do exterior.
Da primeira já conversámos, chegou do Porto.
Tratou-se de Lopetegui a ressuscitar o caso do pagamento por engano das viagens de Calheiros ao Brasil em 1995 no ano em que, segundo ele, o Benfica tinha o “caviar” todo.
Percebe-se lindamente o que o treinador do Porto quer e, de tão confiante, até já está a contar com o “champanhe” final que será pago com “um tremoço” ou “meio-tremoço”.
A segunda incursão de um marginal ao “derby” chegou ontem pela via do maior empresário do mundo que anunciou o interesse de vários e bons clubes estrangeiros nos serviços de Jorge Jesus deixando no ar a ideia de que o treinador do Benfica, em semana de ir a Alvalade, anda a pensar em mudanças.
Até domingo à hora do jogo é bem provável que apareçam mais uns quantos observadores externos a dizer coisas. Nada disso importa ao Benfica, julgo eu.
O que importa é saber com que opinião ficará o Jonas sobre o seu primeiro “derby” e sobre a histórica rivalidade que, certamente, não deixará de sentir em campo quando marcar, como desejamos, o seu golinho do costume.»