Eusébio, Moçambique e Samora
Os caminhos que a vida de Eusébio tomou depois da despedida da sua Mafalala, em 1960, ligaram-no a Portugal mais do que a qualquer parte do globo. Foi um português completo o Eusébio que acaba por se finar em Lisboa. Ele próprio se identificava assim (usava sempre a quarta pessoa para se referir à Seleção Nacional) e não havia nenhum português que não o tomasse como um dos seus.
A sólida identificação nacional portuguesa estabelecida entre Eusébio e Portugal não o desligou, porém, da sua terra natal, Moçambique. E orgulhava-se destes dois traços identitários do seu perfil, como quando manifestou púbica vontade de que o seu caixão fosse coberto com as bandeiras de Portugal, de Moçambique e da sua "paixão maior", o Benfica.
Diz-se que o primeiro pecúlio de Eusébio como jogador de futebol em Portugal, foi para proporcionar a sua mãe uma casa melhor do que aquela em que a deixara em Lourenço Marques - manifestação típica do lado de filho pródigo que também enobrecia a sua personalidade.
Na voragem dos excessos revolucionários que marcaram os alvores da independência de Moçambique, a casa que Eusébio mandara construir para a sua mãe foi confiscada pelo Estado. A lei que a isso levou determinava que o parque imobiliário passasse indiscriminadamente para a posse do Estado. Haveria lugar a devoluções quando os proprietários dos bens imobiliários nacionalizados provassem que se tratava de habitação própria.
Diz-se que Eusébio ficou melindrado com o destino dado à casa pelas leis do novo Estado, a que também não terá sido estranho um ambiente à sua pessoa alimentado por considerações que o conotavam com uma espécie de "comprometido" com o regime de Salazar.
Ainda coube a Samara Machel, na fase de reconsideração do rumo que o novo país levava, promover uma reaproximação a Eusébio. Um re-encontro importante foi quando Eusébio, na companhia da sua esposa Flora Bruhein, é recebida pelo Presidente Samora Machel. Quebra-se o gelo nas relações do “rei” com o seu país. O medo de Eusébio dissipa-se. Nessa altura o Presidente mandou restabelecer a propriedade plena da casa do King e conferiu-lhe formalmente a nacionalidade moçambicana, incluindo a titularidade de passaporte especial. Joaquim Chissano e depois Armando Guebuza aplicaram-se em cultivar o novo clima.
De Chissano e Guebuza ouviram-se no dia da morte do Pantera Negra declarações públicas de protesto e pesar pelo acontecimento. Em ambas as declarações esteve presente o reconhecimento de algo que Eusébio teria gostado de ouvir: a sua alma e a sua memória pertencem aos dois países. Do mesmo modo que pertenceu a sua vida.
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