Um FCP-SCP com história
Ainda com o clássico em foco lembro uma das histórias mais inacreditáveis destes grandes jogos portugueses. O trabalho que passo a citar é do jornal Record:
«Um dos FC Porto-Sporting mais marcantes da história dos clássicos entre os dois clubes ocorreu a 19 de Outubro de 1975 por causa de um golo inédito e surrealista de autoria de um apanha-bolas na sequência de um remate de cabeça de Fernando Gomes que saiu junto à rede exterior da baliza de Vítor Damas.
Um "golo-fantasma" que o árbitro Alder Dante sancionou induzido em erro pelo denso nevoeiro que a certa altura se abateu sobre o relvado das Antas e que não lhe permitiu ver o remate do apanha-bolas que anichou a bola no fundo da baliza, presumivelmente através de um buraco na rede.
Incrédulos perante a decisão arbitral, os jogadores do Sporting, com Vítor Damas à cabeça, rodearam o juiz escalabitano na tentativa de lhe fazer ver o erro grosseiro em que estava a incorrer.
Fizeram-no com uma veemência inusitada e genuína, impelidos pela força da razão, mas Alder Dante concedeu apenas consultar o fiscal de linha Baptista Fernandes, consulta da qual resultou a confirmação da decisão tomada. A indignação dos jogadores conduziu a alguns excessos e à expulsão do médio Valter, além de uma paragem do jogo que durou cerca de cinco minutos durante a qual o treinador Juca entrou em campo para tentar acalmar os mais exaltados.
Este golo bizarro, iam decorridos 57 minutos de jogo, repôs a igualdade no marcador (2-2) depois de um início retumbante do Sporting que se adiantou no marcador através de Chico Faria e Manuel Fernandes no primeiro quarto de hora. Nem isso obstou, todavia, a que a equipa leonina, espicaçada no seu orgulho, chegasse à vitória, com um terceiro golo de Baltasar, a um quarto de hora do fim, mesmo reduzida a dez unidades.
No final do jogo, nem a felicidade pela vitória amenizava o tom das críticas ao árbitro Alder Dante por parte dos jogadores leoninos. Vítor Damas foi contundente: "O árbitro cometeu dois erros clamorosos: validar um golo que um apanha-bolas me marcou e expulsar injustamente um digno profissional de futebol. É um facto que houve alguém do Sporting que gritou que o árbitro era um palhaço, mas não foi o Valter."
O próprio Valter confirmou esta versão: "Juro pela saúde do meu filho que não chamei qualquer nome ao árbitro! Só lhe disse para consultar o fiscal de linha. Ele que seja sincero e escreva no relatório aquilo que se passou..."
A reportagem de Record da época dá conta de algumas declarações curiosas de Juca e do próprio Vítor Damas, que invocam o testemunho de António Oliveira, então jogador portista, para confirmar a ilegalidade do golo de Gomes.
"Deus não dorme" – comentou o actual seleccionador nacional após o jogo. O guarda-redes leonino enalteceu a atitude do seu adversário e colega de profissão: "Honesto foi o Oliveira, que nos confessou que se tratara de uma grande asneira do árbitro. O Gomes, que rematou à baliza, o Cubillas e o Murça, que deitou as mãos à cabeça quando viu o árbitro validar o golo, nem sequer o festejaram."
Gomes: «Fiquei com a sensação que tinha sido golo»
Fernando Gomes foi um dos protagonistas desse FC Porto-Sporting por ter sido ele o autor do remate que esteve na origem do golo-fantasma. Revivendo esse momento com Record, confessa-nos que não se apercebeu que não fora golo:
"Foi uma jogada rápida pelo lado direito, com um cruzamento tenso e que eu cabeceei para entrar no canto esquerdo da baliza do Damas. Fiquei com a sensação de que tinha sido mesmo golo e festejei-o como tal."
Segundo Gomes, que se quedou por alguns segundos na expectativa após o seu remate, a bola surgiu logo a seguir na pequena área: "Pensei que tinha sido o apanha-bolas que a chutou da parte de fora da rede, depois de ela ter entrado. É preciso ter em conta que as condições de visibilidade eram más..."
Por essa razão, considera natural que o árbitro tenha sido, também, traído pelo nevoeiro que se abatera sobre o relvado.
Todavia, nem o erro de Dante evitou a vitória do Sporting, cujos jogadores se sentiram espicaçados no seu orgulho. Mas Gomes tem outra perspectiva:
"Os tempos eram outros, o Sporting era nessa altura a equipa mais forte e a vitória surgiu naturalmente. O FC Porto dava os primeiros passos para a hegemonia que consolidou a partir da década de oitenta."
Álder Dante gostaria de conhecer o apanha-bolas
Vinte e seis anos depois, o principal protagonista do célebre FC Porto-Sporting do "golo-fantasma", o ex-árbitro Alder Dante, recorda sem complexos de culpa ou laivos de constrangimento o erro histórico que cometeu. Confessa que iniciou o jogo porque as condições meteorológicas naquele momento o permitiam e só se deterioraram à medida que decorria.
"Se acabasse o jogo com o Sporting a ganhar por 0-2 seria acusado de caseiro; se não acabasse, como sucedeu, acusar-me-iam de o ter feito sem que houvesse condições para tal. Era uma 'faca de dois gumes'. Seria 'preso por ter cão e por não ter'."
Em relação ao lance capital do jogo dá-nos a sua visão do mesmo: "Lembro-me que o Gomes rematou à baliza e a certa altura da trajectória da bola deixei de a ver por causa do nevoeiro. Foi tudo muito rápido. Só a vi no fundo das redes. O Damas e outros jogadores do Sporting correram para mim a protestar, jurando-me que a bola não tinha entrado. Lembro-me que me virei para dois jogadores do FC Porto e lhes perguntei se a bola tinha ou não entrado, ao que eles me responderam que sim. Um deles, mais tarde, mudou a versão, dizendo que a bola, afinal, não entrou, quando se transferiu para o Sporting" [Oliveira ou Gabriel?, os únicos que o fizeram].
Alder Dante reconhece que ficou com a dúvida a pairar-lhe na mente e a atormentá-lo até ao fim do jogo: "Quando temos uma equipa inteira a protestar de forma enérgica a decisão de um lance, é inevitável que a dúvida nos assalte." Uma dúvida que levou Dante a certificar-se de que tinha sido mesmo golo quando Baltasar, a um quarto de hora do fim, selou a vitória do Sporting: "Fui dentro da baliza chutar a bola contra a rede para ver se tinha mesmo entrado."
Na sequência do golo-fantasma, Valter foi expulso e no final do jogo jurou que apenas pedira ao árbitro para consultar o auxiliar. "Alguém chamou palhaço ao árbitro, mas não foi o Valter” – diria Damas, em defesa do seu colega. Alder Dante admite que possa ter errado: "A mim deu-me a sensação de que foi ele."
Curiosamente, no dia seguinte, Dante cruzar-se-ia com a equipa do Sporting no aeroporto de Lisboa, ele a caminho da Alemanha, como fiscal de linha de Francisco Lobo que iria dirigir o Duisburg-Lewski Spartak (Taça UEFA), os leões de partida para a Hungria, onde iriam defrontar o Vasas de Budapeste.
"Estivemos a falar cordialmente das incidências do jogo, com o Manuel Fernandes, o José Mendes, o Damas, que me reafirmaram que não tinha sido golo. Lembro-me de ter dito qualquer coisa do género: "Agora é tarde, já não há nada a fazer."
Um erro do qual Dante se penitenciou logo no dia seguinte ao enviar uma carta à então Comissão Central de Árbitros, assumindo a responsabilidade do erro: "Fui penalizado com uma repreensão por escrito, a única da minha carreira, a qual retardou a minha ascensão a internacional, que deveria ocorrer nesse ano."
Quem Alder Dante gostaria um dia de conhecer era o apanha-bolas que esteve na origem de um dos casos mais badalados de sempre do futebol nacional. "Foi um dos poucos que me conseguiram enrolar nesta vida..."»
2 comentários:
O único factor comum desde então é o facto de ser sempre a mesma equipa a ser beneficiada!
29 de outubro de 2013 às 09:57O que se retira daqui é que andam todos à cata de lixo antigo para ver se alguém veste a carapuça.
29 de outubro de 2013 às 15:52Enviar um comentário
Partilha a tua opinião!