Contas do SLB e do SCP estão no vermelho
Deixo um longo artigo do Expresso (AQUI), perfeito para leitura no fim de semana, que pode clarificar alguns pontos de um tópico sempre confuso - as contas dos clubes de futebol:
«Balanços. Expresso revela pela primeira vez contas consolidadas do Benfica, que mostram capitais próprios negativos de €84 milhões. No Sporting, é pior: serão quase €190 milhões. Clubes de Lisboa envolvidos em polémica.
O Grupo Benfica fechou o ano 2015/16 com capitais próprios negativos
de €84 milhões. O número — que mostra uma realidade diferente da das
contas individuais da SAD, contrastando com capitais próprios positivos
desta de €21 milhões — está nas contas consolidadas do clube, que o
Expresso hoje torna públicas pela primeira vez. A não publicação das
contas consolidadas pelo clube da Luz esteve na origem de fortes
críticas do Sporting, que ainda não apresentou as suas.
Foi o
próprio Benfica quem forneceu as contas consolidadas ao Expresso, assim
pondo fim à polémica quanto à sua não divulgação. O clube diz que age
com “total transparência”, que sempre teve contas consolidadas, e que só
as forneceu agora porque nunca antes nenhum jornal as tinha pedido.
“Sempre tivemos esta informação disponível para partilhar com os
parceiros e sócios (tal como hoje [ontem] vai ser feito na assembleia
[geral de sócios]), prática que já tem muitos anos”, diz o Benfica.
Já
o Sporting, que num texto de opinião de Bruno de Carvalho publicado
esta semana no “Diário de Notícias” lançou suspeitas sobre as contas
totais do clube rival, respondeu ao Expresso não ter ainda as suas
contas consolidadas de 2015/16 fechadas, garantindo que as dará logo que
isso acontecer. E enviou, sim, as contas consolidadas do ano anterior,
2014/15 (que não estão no site do Sporting), que revelam também um
capital próprio negativo, num valor que é quase o dobro do do Benfica:
€163 milhões, resultantes de muitos anos de prejuízos anteriores. Tendo
em conta que a SAD do Sporting teve prejuízos de €32 milhões este ano,
os capitais próprios consolidados deverão ter fechado 2015/16 num valor
próximo dos €190 milhões negativos.
O que são contas consolidadas
Imagine
que é dono de um grupo que tem duas empresas, a X e a Y. Se a X vender
uma mesa por €100 à Y e a Y vender uma cadeira à X por €100, ambas
faturaram €100, mas o grupo ficou exatamente com o mesmo dinheiro. Em
contas consolidadas, o grupo nada faturou: as operações anulam-se.
Agora
imagine que a mesa e a cadeira vendidas tinham sido inicialmente
compradas por €20. Então, X e Y teriam tido um lucro de €80. E os ativos
de cada uma também subiriam €80, pois quem vendera a mesa que valia €20
comprara a cadeira que valia €100. Mas, em contas consolidadas, nem
mais lucro nem mais ativos.
Estes exemplos simples demonstram a
diferença entre contas individuais e consolidadas, que anulam operações
dentro do grupo e as contabilizam na proporção que umas empresas detêm
das outras (segundo o método de equivalência patrimonial). Nestas SAD,
as contas individuais são públicas, as consolidadas não.
O
Sporting lançou suspeitas sobre os verdadeiros ativos e passivos do
Benfica, depois de a SAD da Luz apresentar o seu maior lucro de sempre,
de €20,4 milhões. O Benfica, instado, não quis alimentar a polémica, mas
fontes do clube falam de uma manobra de diversão do Sporting para
“tapar” os seus prejuízos de €32 milhões.
As contas consolidadas
2015/16 do Sporting serão aqui analisadas depois de serem fechadas. O FC
Porto ainda não divulgou resultados, embora o Expresso já tenha
antecipado o que podem ser os maiores prejuízos de sempre da SAD
portista. Entremos nas contas consolidadas do Benfica, as únicas
fechadas — e agora disponibilizadas.
“Falência técnica”
Diz-se
que uma empresa está em “falência técnica” quando tem capitais próprios
negativos, isto é, quando o passivo (o que “deve”) é maior do que o
ativo (o que “tem”). Tanto o Grupo Benfica como o Grupo Sporting estão
nessa situação (assim como o Porto), em grande parte por causa dos
prejuízos antigos acumulados. O Sporting parte de uma situação pior:
tinha no ano passado resultados transitados (soma de lucros e prejuízos
de anos anteriores) negativos em €267 milhões.
No Grupo Benfica,
os resultados transitados no fecho de 30 de junho de 2016 são de €114,7
milhões negativos, ainda assim uma melhoria de 5,4% face aos €121,3
milhões negativos de um ano antes, no fecho de 2014/15. Daqui resulta o
capital próprio negativo de €84 milhões, que melhorou 16% face aos €99,8
milhões negativos um ano antes. Na prática, isto significa que o
Benfica ainda tem de “limpar” muitos anos de prejuízos passados.
É
o legado Vale e Azevedo? A esta pergunta, o Benfica responde: “Os
€114,7 milhões de resultados transitados devem-se ao legado Vale e
Azevedo e aos custos de reconstrução e recuperação do Grupo SLB nos
primeiros mandatos pós Vale e Azevedo, onde teve de se investir
fortemente na construção de infraestruturas e na recuperação desportiva
do Grupo SLB.”
Ativo cresce, passivo também
O ativo
consolidado do Benfica é €417,6 milhões, mais €52 milhões do que no ano
anterior. Analisando o balanço, conclui-se que a valorização resulta
essencialmente do plantel dos jogadores (os ativos intangíveis são de
€116 milhões, mais 22,6% do que um ano antes) e de liquidez (o grupo tem
€32 milhões em caixa).
Crescendo menos do que o ativo, o passivo
do Benfica continua, no entanto, também a crescer: mais €28,7 milhões
num ano, para um total de €495 milhões a 30 de junho último. Neste caso,
o aumento resulta sobretudo de dívidas a fornecedores e outros
credores, que, confrontado, o clube explica assim: “O aumento surge em
consequência do aumento do ativo e deve-se aos investimentos realizados
na aquisição de atletas, sendo a sua variação (aumento/diminuição)
decorrente dos prazos de pagamento acordados e da data da transação.”
Quando, dentro do passivo, se olha para os empréstimos, conclui-se
que a dívida do Benfica quase não se alterou de um ano para o outro (o
valor total de empréstimos é de €313,7 milhões, menos 0,4% do que um ano
antes). Mudou sim, e muito, a sua composição. Por um lado, houve uma
redução de empréstimos bancários por substituição por empréstimos
obrigacionistas; por outro, há uma evidente reestruturação de prazos das
dívidas, em que o Benfica substituiu dívida de curto prazo por dívida
de longo prazo. Há um ano, três em cada quatro euros (75,9%) que o
Benfica devia de empréstimos eram a curto prazo, o que revela uma
pressão financeira enorme; este ano, essa pressão baixou, pois dois em
cada quatro euros (49,8%) são devidos a curto prazo, os outros dois a
longo prazo.
Auditores avisam
Esta pressão financeira
leva a alertas dos auditores. As contas consolidadas de 2015/16 enviadas
pelo Benfica ao Expresso ainda não estão auditadas, mas as do ano
anterior, que o Benfica também disponibilizou, estão. As contas são
aprovadas pela PricewaterhouseCoopers (curiosamente, a mesma auditora do
Sporting, que tem reservas às contas) com uma ênfase (uma espécie de
aviso): alertando para os capitais próprios negativos, a auditora
salienta que o princípio contabilístico da continuidade das operações
depende “do apoio das instituições financeiras na renovação das linhas
de financiamento e do sucesso das operações e atividades futuras do
grupo”.
Isto significa que a situação financeira do grupo é de
forte pressão, mas tem sido lidada ano após ano. Não há razões para que a
mesma ênfase não seja repetida no relatório deste ano, pese embora a
situação financeira do grupo ter melhorado. O Benfica desvaloriza a
ênfase: “Este tipo de pontos na Certificação das Contas emitida pelos
auditores é normal e recorrente sempre que os capitais próprios são
negativos ou se encontram perdidos em mais de 50%, em conformidade no
art. 35º do CSC. Esta ênfase é recorrente nos nossos relatórios e
contas.”
Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 1 de outubro de 2016
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